Lutero, das 95 Teses à Dieta de Worms (31/10/1517 a 26/04/1521)

Três Anos e Meio Criativos e Corajosos que Decidiram a Sua Sorte

Dois dos eventos mais importantes na vida profissional de Lutero, em especial em seu papel (de início não totalmente assumido) como reformador da Igreja Católica, situam-se nos extremos de um período de três anos e meio dos quais se pode dizer: “alea jacta est” – a sorte foi lançada. Neles efetivamente se decidiu a sua sorte.

No caso de Júlio César, em que essa frase famosa, segundo consta, se originou, a sorte foi lançada em um momento relativamente rápido, em 10 de Janeiro de 49 aC, quando ele, desobedecendo as ordens de Pompeu, que representava o Senado Romano, cruzou o riacho Rubicon e deu início à Guerra Civil que iria mudar o quadro político romano. No caso de Lutero, a sorte foi lançada num período mais longo, de 31 de Outubro de 1517 a 26 de Abril de 1521, durante o qual houve uma série de eventos extremamente importantes (cheguei a quinze) que tornaram irreversível um processo de ruptura da Cristandade, mais do que simplesmente da Igreja Católica Romana – embora apenas mais tarde vá ficar evidente quão séria será essa ruptura.

É essa série de quinze eventos que pretendo historiar de forma sucinta em uma série de artigos subsequentes.

O período começa com a divulgação das 95 Teses acerca das Indulgências por parte de Lutero em 31 de Outubro de 1517. Se essa divulgação se deu através da fixação das teses por Lutero na porta da Igreja da Universidade de Wittenberg (a chamada Igreja do Castelo), como antigamente unanimemente se acreditava, ou se Lutero simplesmente as enviou, naquele dia, ao jovem Arcebispo de Mainz (Mogúncia), Alberto de Brandenburgo, que tinha jurisdição sobre Wittenberg, como hoje geralmente se acredita, não faz grande diferença.

O período chega ao fim com a decisão corajosa de Lutero de não renegar as coisas que havia escrito desde as 95 Teses (18/04/1521) e termina com a decisão que o Imperador Carlos V tomou diante desse fato (26/04/1521). Se, em 18 de Abril, Lutero de fato disse, diante do Imperador, como antigamente geralmente se acreditava, “Aqui estou e aqui fico. Não posso fazer nem mais nem outra coisa. Que Deus me ajude”, também não faz tanta diferença – porque esse conjunto magnífico de três frases, ainda que inautêntico, como hoje a maioria dos historiadores acredita, continua a representar o espírito daquilo que de fato aconteceu na frente de Carlos V – mesmo que Lutero, ele próprio não tenha dito as frases finais que, depois, lhe vieram a ser atribuídas.

No meio do período, Lutero se explica, discute, debate, e escreve. O outro lado ouve, lê e não gosta. O “outro lado” é, evidentemente, a Igreja Católica, representada pelo Papa Leão X. Mas a Igreja Católica tem um “braço militar” na Alemanha: o Sacro Império Romano, que muda de guarda, durante esse período: morre Maximiliano I e assume o jovem, quase menino, Carlos V, neto (pelo lado da avó paterna) de Fernando e Isabela, reis Católicos de Espanha – que se considera, tanto quanto o seu avô paterno, a que ele sucedeu, Defensor Fidei, o Defensor da Fé Católica. Leão X publica uma bula condenando os ensinamentos de Lutero, determinando que os livros dele sejam queimados, e dando-lhe sessenta dias para se retratar, sob pena de excomunhão. Lutero não se retrata, eleva o tom já inicialmente agressivo de seus ataques, agora ao Papado e à Cúria Romana, não apenas à prática das Indulgências, e, num gesto teatral, queima a Bula Papal em praça pública, junto com o Código Jurídico Canônico da Igreja. Em outras palavras, antes de ser excomungado pela Igreja, Lutero, simbolicamente, “excomunga” a Igreja… Diante disso, a Leão X só cabe fazer o que de fato fez: emitir nova Bula, excomungando Lutero e, de certo modo, declarando o caso encerrado. O problema, agora, seria com o Imperador, a quem caberia fazer cumprir a decisão da Igreja. É nesse contexto que se insere a Dieta de Worms, de 1521. Ao final dela, o Imperador “interdita” Lutero e o bane dos territórios do Sacro Império Romano – ou seja, de sua pátria maior, a Alemanha. Com essa decisão, quem encontrasse Lutero nesses territórios podia prender Lutero e entrega-lo às autoridades – ou até mesmo mata-lo. A menos que, dada a importância do poder local dos príncipes, duques, e condes, alguma dessas autoridades sub-imperiais resolvesse protegê-lo…

Mas Lutero agora é, oficialmente, um herege excomungado, do ponto de vista religioso, e um fora da lei, um outlaw, do ponto de vista político. Começam os seus anos difíceis – os seus, para parafrasear Elizabeth II, anni horribili

Mas vamos por partes – são quinze acontecimentos. Cada um deles tem parte de responsabilidade na gênese da Reforma Luterana. Cada um deles vai receber um breve artigo aqui neste blog, no devido tempo.

  1. 31 de Outubro de 1517: Lutero publica suas 95 Teses
  2. 26 de Abril de 1518: Lutero defende seu ponto de vista em Heidelberg
  3. 12 a 14 de Outubro de 1518: Lutero discute com Cardeal Caetano em Augsburgo
  4. 12 de Janeiro de 1519: A morte do Imperador Maximiliano I altera o quadro político
  5. 1o Semestre de 1519: Karl von Miltitz, enviado do Papa, negocia com Lutero
  6. 28 de Junho de 1519: Carlos V assume o Império
  7. 4 a 16 de Julho de 1519: Karlstadt e Lutero debatem com Johannes Eck em Leipzig
  8. 1o Semestre de 1520: Lutero abandona os debates e recorre à escrita: publica dois livrinhos
  9. 15 de Junho de 1520: O Papa Leão X condena formalmente Lutero e dá-lhe prazo para se retratar
  10. 2o Semestre de 1520: Lutero rebate o Papa: publica seus explosivos Três Tratados
  11. 10 de Dezembro de 1520: Lutero queima a Bula Papal em Praça Pública seis meses depois
  12. 2 de Janeiro de 1521: O Papa promulga a Bula  de Excomunhão de Lutero
  13. Início de 1521: Frederico da Saxônia intervém: pede tempo ao Papa e uma chance a Carlos V
  14. 18 de Abril de 1521: Lutero na Dieta de Worms na presença do Imperador
  15. 26 de Maio de 1521: O Imperador decreta a  interdição e o banimento de Lutero

Em São Paulo, 11 de Junho de 2017

 

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